domingo, 2 de maio de 2010

Influência aristocratizante de Nossa Senhora



(foto) Noss. Senhora do Carmo

A cortesia é até hoje reconhecida como uma das características próprias à nobreza. Lendo o Evangelho sobre a Anunciação, nota-se com que delicadeza sobrenatural Deus propõe a Maria ser a Mãe do Messias.


Aristocracia?! Nobreza?! Mas essas não são situações contrárias à humildade? Não refletem arrogância e vaidade, contrárias à caridade com os pobres? Como pode alguém sustentar, como sugere o título, que Maria Santíssima se parece com essas pessoas que freqüentam as escandalosas revistas dos endinheirados? Terá endoidecido o articulista?
Bem poderiam ser essas as primeiras reações de muitíssimas pessoas hoje, o que não é de estranhar, tendo em vista a completa confusão de conceitos em que nos submerge uma mídia manipuladora.

Para entender bem o título, comecemos por dizer que a palavra aristocracia vem do grego aristós, ou seja, os melhores. Aqui já começarão muitos a se tranqüilizar, pois é inegável que a Santa Virgem se encontra nessa categoria. Não só era uma das melhores, mas era a melhor. E isto a muitos títulos evidentes. Por exemplo: a melhor das mães, a mais pura das virgens, a mais piedosa de todos os seres humanos.

Unidade fundamental entre verdade, belo e bem

Ensina-nos a doutrina católica que Ela não só praticou todas as virtudes em grau heróico, o que corresponde à definição de santidade, mas praticou-a num grau inimitável. Seja porque foi concebida sem o pecado original, seja por sua adesão ardorosa a todas as graças, Ela atingiu um patamar do qual é até difícil fazer-se uma idéia.

Ora, acontece que na alma as virtudes se apóiam umas nas outras, da mesma forma como num prédio os materiais de construção se apóiam uns nos outros. Basta que numa parte a construção seja defeituosa, para que todo o edifício esteja comprometido. É por isso que o demônio procura nos tentar em pontos específicos, pois sabe bem que, ruindo uma parte, o resto virá abaixo depois.

Devido a esta forma como está construída a santidade, não podemos ser altamente virtuosos só em certos pontos, e em outros defeituosos ou ao menos deficientes. Uma certa proporção entre uma parte e outra é requerida. Por quê? Porque há uma unidade fundamental entre a verdade, o bem e o belo, pela qual uma alma, aderindo a toda a verdade, por exemplo, não pode gostar do feio. Mesmo que fosse uma alma simples, não instruída, nela todas as tendências boas se revoltariam contra o feio. Não quer isto dizer que todo santo é necessariamente um artista consumado, pois, dado o pecado original, nossa inteligência pode se confundir. Afirmamos, isto sim, que além de certo limite a contradição seria clamorosa, e um santo não pode ser contraditório. Pecaria contra a lógica, pois não pode haver duas verdades que se combatam.

Perfeitíssima em todas as coisas e no mais alto grau

Posta esta base teórica, entendemos facilmente que a Santíssima Virgem não poderia ser perfeita em matéria doutrinária e falha em matérias como o gosto artístico. Mais ainda, como n’Ela a verdade se encontrava num estado de perfeição insondável, necessariamente tudo o que é belo ou bom devia também se apresentar num estado de perfeição insuperável.
Para exemplificar, é impossível imaginar que Nossa Senhora não tivesse o melhor dos gostos na hora de decorar uma sala. Nela a harmonia, a ordem, a gradação das cores, o senso das proporções — numa palavra, tudo aquilo que há de melhor na alma — contribuía para que o efeito fosse o que mais dava glória a Deus.

Mas tais perfeições não se aplicam só à nossa parte espiritual, pois também o corpo tem que aperfeiçoar-se como a alma. Não que devamos ser atletas ou adeptos fervorosos de ginásticas e exercícios físicos, e sim que as atitudes de nosso corpo devem também refletir a perfeição para a qual Deus o criou. É impossível imaginar um santo que ama a Deus e gosta ao mesmo tempo de andar com a roupa suja. Neste sentido, a túnica de São Francisco que se expõe na cidade de Assis é um modelo maravilhoso de pobreza, porém levada com limpeza e dignidade. Do mesmo modo, é inconcebível que as roupas de Nossa Senhora, embora pobres, não fossem do melhor gosto e limpíssimas. É claro que Ela se vestia de acordo com os padrões artísticos (de propósito não me refiro a “moda”) da época em que viveu, pois o plano divino prevê que façamos parte de uma sociedade.

Continuando nesta série de raciocínios, vemos que logicamente Nossa Senhora era também perfeitíssima nos costumes à mesa, no modo de se sentar numa cadeira. Também não podemos imaginá-la sem estar perfeitamente penteada ou sendo descuidada com uma visita. Tudo isto faz parte dos nossos deveres para com o próximo, por meio dos quais procuramos para eles aquilo que lhes seja mais agradável até nos mínimos detalhes: agradável à vista, ao tato, ao paladar. Seria errado pensar que, na sua pobreza, a Virgem não preparasse boas refeições, como lhe correspondia ao ser senhora de sua casa. Pobreza não quer dizer sujeira nem desleixo. É apenas a falta de meios materiais, não a rejeição deles.

Aristocracia, desejo de educar e dar bom exemplo.

Todas essas atitudes educacionais de que falamos — boas maneiras, boa apresentação, boa conversa — caracterizavam a aristocracia numa civilização cristã. Eram os modelos de seus vizinhos e subordinados, eram por definição os melhores, aqueles que melhor sabiam dar glória a Deus com as atitudes de seus corpos. Caminhavam com mais elegância, vestiam-se com mais gosto, utilizavam vocabulário mais escolhido e sem vulgaridades chocantes, decoravam a casa com mais estilo. E se surgisse a necessidade, sacrificavam-se em defesa do bem comum.

A abundância de meios materiais era uma forma de apoio à sua missão, mas não a essência dela. Por isso mesmo, nada há de comum entre o verdadeiro aristocrata e um endinheirado imoral, membro do jet-set, desses que abundam em reprováveis revistas. A verdadeira aristocracia nos ensina a sermos melhores, e não a nos mostrarmos orgulhosos e envaidecidos de ganhos materiais. A realeza autêntica educa a todos os que a admiram, e os move na direção da santidade. A verdadeira aristocracia, e mais ainda a verdadeira realeza, devem ter por isso exemplar devoção a Maria Santíssima.

Com exemplificação e linguagem pessoais, o que expus são conceitos que eram evidentes quando predominava a civilização cristã. E podem ser encontrados em bons livros. Temos em mãos, por exemplo, o livro Courtoisie chrétienne et dignité humaine (Cortesia cristã e dignidade humana), de Roger Dupuis, S.J. e Paul Celier. Transcrevo algumas frases significativas:

“A cortesia é até hoje reconhecida como uma das características próprias à nobreza. Lendo o Evangelho sobre a Anunciação, nota-se com que delicadeza sobrenatural Deus propõe a Maria ser a Mãe do Messias. E a fineza de Maria corresponde perfeitamente à delicadeza divina. Pois a verdadeira humildade não é aquela que se abaixa, mas a que obedece. Naquele mesmo ato sublime, Maria toma conhecimento do favor sobrenatural concedidos a sua prima, Santa Isabel. Seu primeiro movimento consiste em ir visitá-la. Mais tarde, quando seu Divino Filho disse de si mesmo ‘sou manso e humilde de coração’, revelava a influência de sua Mãe. Jesus quis ter em Maria um modelo perfeito de cortesia”.

Falta ainda um ponto nesta escala de virtudes: o desinteresse pessoal, pelo qual fazemos as coisas não porque são melhores para nós mesmos, mas porque dão mais glória a Deus. Se amamos a verdadeira hierarquia, entendemos isto facilmente, e sabemos dar verdadeiro valor ao desejo de aperfeiçoar espiritual e corporalmente nosso próximo. Querer ser aristocrata — ou seja, dos melhores — equivale a querer educar e dar bom exemplo aos outros, desinteressando-se de confortos para si mesmo.

Nossa Senhora desejava ardentemente a máxima glória de Deus, e atende pressurosamente todo pedido que vai nesta direção. Peçamos pois por todos aqueles que têm na sociedade o dever de ser os melhores, os aristocratas, para que não se deixem rebaixar e contribuam com sua influência benéfica para o bem de todos.

Texto retirado da:Revista Catolicismo

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