A vida política nacional não cansa de nos assustar. O assunto político da vez é o "mensalão" do Distrito Federal. Mais dinheiro nas cuecas e meias, mais propinas. A situação do governador do DF, José Roberto Arruda, do Democratas (ex-PFL, ex-PDS, ex-Arena), se complica a cada dia, com explicações ridículas sobre a origem e o destino da verba.
Talvez Arruda use uma já velha e consagrada tática da nossa classe política, a renúncia ao mandato, para escapar da cassação. Não seria a primeira vez que faz isso (recordem o caso da violação do painel do Senado). E ele acabou de se desfiliar do partido, ante o risco de expulsão. Com a última manobra, não pode mais disputar cargo eleitoral em 2010. Mas em 2014... Possivelmente será eleito para algum legislativo. Os eleitores esquecerão ou perdoarão estes "deslizes" de Arruda?
Isso dá o que pensar sobre a tal falta de memória tupiniquim. Contraditoriamente, lembro de uma antiga novela da Globo chamada "Eu Prometo!", cujo protagonista era Francisco Cuoco. Tratava-se de um político bom, honesto, blablabla... O curioso é que o título da novela referia-se ao fato de o personagem ser político, o que, como chamariz de público, poderia ser reduzido à expressão "Eu Prometo!", como se a isto se resumisse a carreira do político: promessas e mais promessas.
Chavão que ouvimos em todas as conversas de bar, em qualquer folhetim, com qualquer "especialista" falando do "ser brasileiro". Aquela história de que não temos memória, o que explicaria a imagem do político como "aquele que promete". O pobre goleiro Barbosa queria muito acreditar nisso. Justo ele, execrado anos a fio pelo gol tomado em pleno Maracanã, na final de 1950. Isso nós não esquecemos, para a tristeza do arqueiro. Nesse ponto, nossa memória foi implacável, atroz, e a sua redenção - ou o nosso esquecimento da derrota - veio décadas após o maracanazo.
Então, por que esta imagem de que somos um povo com amnésia? Talvez não sejamos. Talvez nossa amnésia seja seletiva; guardamos aquilo que nos importa e jogamos fora aquilo que não nos diz nada. Se isso for verdade, temos aqui a comprovação de que a política brasileira nada diz aos brasileiros, ou à maioria dos brasileiros, ou ao brasileiro médio, como queiram.
Muitos se dedicaram a essa questão, desde o Império, e a maior parte acabou essencializando um tal "brasileiro", que não existe e nunca existiu. Temos que procurar respostas não apenas em nós mas também na nossa história e nas nossas instituições. Mas não será neste espaço que as respostas serão dadas. Este texto inicial, de debut, tem muito mais a intenção de levantar perguntas do que oferecer respostas.
Nossa herança colonial é um dos fatores a serem levados em conta. A existência de enclaves ao poder público, os "coronéis" que existiam por todo o Brasil sempre tiveram relações privadas com o poder público. Era uma coexistência benéfica a todos os que dela participavam, o que, obviamente, não inclui o povo.
Assim, numa promiscuidade entre público e privado, se constituíram, em parte, nossas instituições. Aqueles que tinham condições de acesso a direitos assim o faziam, mas por meio do compadrio, das relações pessoais, do tal "você sabe com quem está falando?". Nunca por meio de direitos universalmente implementados, válidos para todos. A contrapartida dessa forma de acesso a direitos é como os deveres e regras são seguidos por aqui.
Não faz muito tempo, saiu na TV que os carros de um órgão da prefeitura do Rio de Janeiro - justamente aquele que deveria fiscalizar o trânsito - estacionavam em cima da calçada! Perguntado o porquê dessa atitude, um dos responsáveis do órgão disse que as obras do metrô estavam usando o espaço no qual, anteriormente, eles paravam os carros. E o pedestre, que tem que andar na rua, correr riscos por causa dos carros na calçada, com isso? Por que alguns carros "podem" estacionar ali e outros não? Por que as regras, os direitos e deveres, funcionam pra uns e não pra outros?
Pois é. Este é um dos motivos da nossa "amnésia". As regras públicas, universais, aqui foram particularizadas. A política, o público, não alcançaram as pessoas, e nos movemos dentro da burocracia pela relação de amizade, do compadrio. E ainda querem que as pessoas lembrem em quem votou para deputado federal?
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