sábado, 9 de abril de 2011

Comunismo na revolução francesa

“O comunismo de propriedade é a derradeira aplicação do contrato social. Como cada direito se origina do Povo Soberano, tanto as propriedades quanto os indivíduos estão nas mãos do povo.
O decreto de 23 de agosto de 1793 marca o advento do novo reino: o socialismo de propriedade será simplesmente a contrapartida da socialização das vontades. Não mais haverá intermediários entre o governante e o governado.
Servos sob o rei em 1789, homens livres pela lei de 1791, o povo se torna senhor em 1793. Ao se tornar o próprio governante, o povo abole as liberdades públicas que haviam sido suas únicas garantias contra os que o governavam. O direito ao voto é suspenso, pois o povo reina; o direito à autodefesa, pois eles julgam; a liberdade de imprensa, pois eles escrevem; a liberdade de expressão, pois eles falam – uma doutrina límpida da qual as proclamações e leis terroristas são apenas um longo comentário.
Na ordem econômica, a coletividade a partir daí cuida de seus próprios assuntos e dispensa os indivíduos. Com a abolição do comércio de cereais (3-11 de setembro de 1793), ela socializa as reservas agrícolas. Com a criação do tabelamento de preços (leis de 29 de setembro de 1793 e 24 de fevereiro de 1794), ela acaba com a atividade comercial. Com a requisição universal de trabalho e habilidades (16 de abril de 1794), o próprio esforço de produção é abolido. Esse é o fim do regime pessoal para o povo e o príncipe, nos campos e nas oficinas e no Louvre.
Toda indústria: de metais, minas, armas, salitre, passa às mãos do Estado.
Quando o povo está no trono, é o Estado que assume o controle.
Esse sistema artificial exigiu uma implantação tão prodigiosa de violência que recebeu o nome de Terror. O reino do impessoal é um inferno: a democracia, o príncipe impessoal, governa para trás, e o Estado, o povo impessoal, trabalha desnorteado. Essas são as duas grandes verdades que a doutrina da revolução nega e que sua história comprova. Como pode esse paradoxo afirmar-se a si mesmo contra o senso comum, primeiro, e depois contra direitos e interesses, durar dez meses e continuar por dois anos?
É que o trabalho das Sociedades Filosóficas, através de seu aconselhamento intelectual e seleção social, havia criado um estado de espírito moral. Em todos os grandes problemas de interesse público existia uma opinião das Sociedades que era oposta à verdadeira opinião [pública]. A legislação terrorista não é o trabalho conjunto de políticos, mas apenas o eco das opiniões das Sociedades – a tal ponto que os decretos da Convenção eram preparados e algumas vezes votados e aplicados de antemão pelas Sociedades.
E as Sociedades – tendo em vista serem o povo – apropriam-se de e exercem sem controle os direitos dos quais o novo regime priva os eleitores. O povo perdeu o direito de eleger seus magistrados de acordo com os procedimentos legais, e as Sociedades assumem o direito de removê-los contínua e arbitrariamente. O povo foi desarmado sistematicamente, até a última arma, e as Sociedades pegam em armas. Elas treinam, removem e dirigem grupos especiais à vontade – os “exércitos revolucionários” que elas supervisionam na guerra contra o “inimigo doméstico”. Dessa maneira, as Sociedades só se tornam bastante numerosas (quase 1900 em janeiro de 1794) e “unidas” após a derrota do cisma girondino, e predominantes a partir do “medo” de setembro e da prisão dos suspeitos.
Contudo, a substituição da vida real pela vida da Sociedade não ocorreu de modo suave. Ao primeiro contato com coisas [reais], a razão dos “legisladores” era contradita, muitas vezes em menos de uma semana.
Os mercados têm pouco estoque e assim a Convenção decreta, em 11 de setembro de 1793, que os grãos não mais serão vendidos em qualquer lugar, mas somente lá. Imediatamente os mercados se esvaziam, e provisões tornam-se raras e caras. A Convenção, com o decreto de 29 de setembro, baixa os preços de varejo, imaginando que o atacado preferiria fazer o mesmo a nada vender. [Mas] os preços de atacado se mantiveram, em menos de uma semana as lojas se esvaziaram e os lojistas ficaram de pires na mão. A mesma lei que decretou o tabelamento do preço da carne fez o mesmo quanto ao preço do gado, o que levou ao fim da pecuária e ao abate do gado. A Convenção apressadamente revoga seu decreto para salvar a pecuária (23 de outubro). Mas então os açougueiros, que ainda tinham tabelamentos, param de comprar e de abater, o que desencadeia o desabastecimento em uma indústria após a outra: curtumes, sapatarias, fábricas de uniformes militares, terminando com a falta de carne e pão (fevereiro de 1794). Em 11 de abril de 1794, o Comitê de Salvação Pública, animado com os resultados de seu censo, requer para Paris e os exércitos todo porco de oito anos, o qual deixa com seu dono até a data da entrega. Este, ao invés de alimentá-lo, deixa-o definhar e morrer.
Todas as tentativas de socialização levam a impasses desse tipo. Se essas tentativas se dirigissem a homens, essas lições brutais os teriam feito parar e pensar, mas um fenômeno social não pensa. Esse fenômeno avança de desastre em desastre, produzindo uma floresta de leis não-naturais cujo sucesso nas Sociedades e aprovação pela Convenção foram tão fatais como sua imposição no país foi absurda ou impossível.”
(Extraído da seleção de textos de Augustin Cochin, Organizing the Revolution)

Fonte:http://speminaliumnunquam.blogspot.com/2011/04/comunismo-na-revolucao-francesa.html

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